A Cliché existiu enquanto loja e editora no Bairro Alto durante breves anos no início da década de 1980. Com um catálogo curto, foi talvez a primeira editora independente séria em Portugal, tal como se conhece hoje o termo “independente” e a estética a ele associada. Quatro sócios (Vera Futscher, João Pinto Nogueira, Maria Helena Redondo e Rui Pavão) acordaram no projecto, beneficiando de circunstâncias favoráveis e um espírito de empreendedorismo muito diferente do que actualmente se tenta implementar na sociedade.
A associação de amizade com a editora britânica Rough Trade gerou dois dos discos mais fortes do catálogo (“Odyshape” das Raincoats e “Colossal Youth” de Young Marble Giants). Contacto directo com Bill Laswell, em Nova Iorque, gerou a primeira edição na Cliché, “Temporary Music” (Material). A sexta e última edição foi “Belzebu” (Telectu). Pelo meio, discos de Pigbag e David Thomas (dos Pere Ubu). Alguns dos futuros fundadores da Cliché viveram em Londres. A vizinhança com a loja da Rough Trade e a exposição a muito do que de excitante acontecia na cidade, serviu para acumularem energia que colocariam no terreno, no regresso a Lisboa, ao serem confrontados com o reconhecido marasmo cultural em que a cidade se encontrava, no que respeita a expressões modernas, diferentes e até radicais. Encontros e tertúlias caseiras proporcionavam intercâmbio de ideias. No prédio situado na Rua dos Caetanos, em cuja cave funcionaria a Cliché, juntavam-se pessoas, fervilhava uma cena por nomear (e por acontecer). Pessoas como Manuel Reis iam fazendo acontecer coisas concretas. O Bairro Alto tornou-se polo de atracção para quem partilhava diferenças estéticas.
Em 1982, com o Frágil no centro da movida, João Pinto Nogueira foi DJ residente no clube. E, onde mais tarde existiu a loja Contraverso (Travessa da Queimada), poderia ter acontecido a segunda vida da Cliché. Mas só teve uma vida, sobretudo como loja que vendia roupa original de Maria Helena Redondo e alguns discos enviados por amigos e família no estrangeiro ou trazidos em viagem. Rapidamente se estabeleceu como ponto de passagem obrigatório para pessoas como Rui Pregal da Cunha. Falámos com ele, com Ricardo Saló e outras pessoas que frequentavam a loja. Também com Ana da Silva das Raincoats. Pedimos fotografias. Tentámos reconstruir a história completa, que começa afinal em Londres, fruto do contexto sociopolítico próprio do Portugal das décadas de 1960 e 70.
O resultado encontra-se numa publicação física pensada como um fanzine. Formato A4, colagem e manipulação de imagens. Exemplo do que pode acontecer quando se sente a frustração recorrente de pouco ou nada encontrar, documentado com detalhe, do património musical português ao lado das correntes principais.
Holuzam